A recusa às transfusões de sangue por parte das Testemunhas de Jeová é um dos temas religiosos mais discutidos na interface entre fé, medicina e ética. O que para muitos é um procedimento comum, para esse grupo religioso é algo inegociável, gerando polêmicas, curiosidade e, ainda hoje, incompreensão.
Por que as Testemunhas de Jeová recusam transfusões?
A base da doutrina vem de uma interpretação literal de passagens bíblicas, como:
Gênesis 9:4 – "Mas carne com sua alma, isto é, com seu sangue, não deveis comer."
Levítico 17:14 – "Pois a alma de toda sorte de carne é o seu sangue. Todo aquele que o comer será decepado."
Atos 15:28-29 – "Abster-se de sangue, de coisas estranguladas e da imoralidade sexual."
Para as Testemunhas de Jeová, o sangue representa a vida e pertence a Deus. Aceitar uma transfusão, mesmo em situações de risco de morte, seria, para eles, violar um princípio espiritual sagrado.
Alternativas à Transfusão de Sangue
Apesar de não aceitarem o sangue total (nem os principais componentes: glóbulos vermelhos, brancos, plaquetas e plasma), muitos membros aceitam procedimentos com frações menores, como albumina, imunoglobulinas e fatores de coagulação — desde que a decisão seja pessoal e bem informada.
Além disso, com o avanço da medicina, muitas alternativas têm sido desenvolvidas e amplamente utilizadas, inclusive por pacientes não religiosos:
Técnicas cirúrgicas sem sangue: como o uso de bisturis elétricos e técnicas de hemostasia avançada para reduzir a perda sanguínea.
Hemodiluição normovolêmica: sangue é retirado do paciente antes da cirurgia e substituído temporariamente por fluidos, sendo depois reinfundido.
Expansores de volume: substâncias como dextrana, gelatina e soluções salinas mantêm a pressão arterial e o volume circulatório.
Eritropoetina: hormônio que estimula a produção de glóbulos vermelhos, usado antes de cirurgias ou em pacientes anêmicos.
Coletas autólogas intraoperatórias: o sangue perdido durante a cirurgia é coletado, filtrado e devolvido ao paciente.
Hospitais e centros médicos em todo o mundo, inclusive no Brasil, vêm desenvolvendo setores especializados em medicina sem sangue, beneficiando inclusive pacientes com outras condições de saúde, como doenças autoimunes ou reações a transfusões.
Por que ainda é um tabu?
O tabu persiste por diferentes razões:
1. Desinformação: Muitas pessoas ainda acreditam que a recusa a transfusões seja fanatismo ou suicídio religioso, sem entender a motivação espiritual por trás da escolha.
2. Choque cultural: A medicina tradicional vê o sangue como essencial à vida, enquanto a crença das Testemunhas de Jeová coloca limites a esse uso.
3. Casos envolvendo menores: Quando crianças precisam de transfusão, a questão vira jurídica. Em muitos países, o Estado pode intervir e autorizar o procedimento, mesmo contra a vontade dos pais.
Casos famosos
Caso Heloísa (Brasil, 2004): Uma menina de 13 anos, Testemunha de Jeová, precisava de transfusão após complicações de leucemia. Os pais recusaram. O caso foi parar na Justiça, que autorizou a transfusão, contrariando os pais.
A.J. (Canadá, 1998): Adolescente com câncer de fígado, Testemunha de Jeová, recusou transfusão. O caso dividiu a opinião pública. A Suprema Corte de British Columbia autorizou o tratamento com sangue. A.J. posteriormente disse que se sentiu violada em sua fé.
Dennis Lindberg (EUA, 2007): Adolescente de 14 anos que recusou transfusão mesmo em risco de vida. O juiz acatou seu desejo, alegando que ele tinha maturidade suficiente para tomar essa decisão. O caso foi amplamente divulgado na mídia americana.
Conclusão
A recusa à transfusão de sangue por parte das Testemunhas de Jeová continua sendo um tema delicado, que exige equilíbrio entre ciência, fé e respeito à autonomia individual. A medicina, felizmente, tem caminhado em direção a um cenário mais inclusivo, desenvolvendo alternativas que atendem não apenas aos valores religiosos, mas também às necessidades médicas e éticas da sociedade moderna.
Ao abordar esse assunto, é essencial fazer isso com empatia e compreensão, lembrando que, por trás da doutrina, existem pessoas reais buscando viver de acordo com sua consciência e fé.